sábado, 5 de julho de 2008

Gary Francione: Por que o Veganismo é Sua Base Moral - PARTE II

Em pauta:
Segue a segunda parte da entrevista concedida a Revista The Vegan pelo Professor Gary Francione.
O que o leva a acreditar que os animais não-humanos têm o direito à vida?
Os não-humanos têm interesse em continuar a existir e devemos proteger esse interesse com um direito, se não quisermos ser especistas.
Um preceito central da posição bem-estarista é que, em termos factuais, os animais não têm interesse em continuar a viver e só se importam com o modo como os tratamos. Por exemplo, Jeremy Bentham, um dos principais arquitetos do bem-estar animal, afirmava que os animais não se importam se os matamos e os comemos; eles só se importam com o modo como os tratamos. PeterSinger também adota a posição dele.
Em meu trabalho, eu argumento que essa posição está errada. É um absurdo afirmar que os seres sencientes têm interesse em não sofrer, mas não têm nenhum interesse em continuar a viver. A senciência é um meio para os fins da continuação da existência; a senciência é uma característica que evoluiu em certos seres como um mecanismo para facilitar a existência continuada. Muitos animais não-humanos, assim como muitos humanos, suportarão um sofrimento terrível para continuar a viver. De qualquer forma, discordo de Bentham, Singer e outros que alegam que os animais não-humanos não têm interesse na existência continuada. A noção, promovida por Singer, de que a autoconsciência semelhante à humana é necessária para se ter um interesse em continuar a existir é escancaradamente especista.
Se eu estiver correto e os animais não-humanos, assim como os humanos, tiverem interesse em continuar a viver, e se formos tratar esse interesse como moralmente significativo, então devemos aplicar o princípio da igual consideração e dar, a esse interesse do animal, a mesma proteção que damos ao interesse dos humanos em não ser usados como mercadorias.
Nós não achamos apropriado tratar um humano, seja ele quem for, exclusivamente como um meio para os fins de outro. Não achamos apropriado tratar humano algum como mercadoria. Não consideramos a escravidão — mesmo a escravidão “humanitária” — moralmente aceitável. Conferimos a todo ser humano, independentemente de sua inteligência ou outras características, o direito de não ser tratado como propriedade de outro.
Não há qualquer razão moralmente válida para negarmos esse direito aos não-humanos. Devemos conferir a todo não-humano senciente o direito de não ser usado como mercadoria.
Esta é uma breve resposta a uma questão importante e complicada. Quem estiver interessado em mais discussão sobre este assunto pode dar uma olhada em meu livro Introduction to Animal Rights: Your Child or the Dog? (2000).
Considerando-se que as atitudes da maioria dos seres humanos são especistas, sua posição abolicionista é realista?
Certamente. De fato, a promoção do veganismo, que considero a base do movimento abolicionista, é a única posição realista. O único modo pelo qual conseguiremos efetuar uma mudança expressiva quanto a usarmos e tratarmos os animais é construindo um movimento político e social de indivíduos que são comprometidos com a abolição e que reconhecem que não podemos levar os interesses dos animais a sério enquanto continuarmos a comer carne, leite, ovos, etc.
Podemos construir esse movimento, mas precisamos apresentar uma posição abolicionista clara e consistente, que tem como base moral o veganismo. Sim, as pessoas são especistas. Nós não vamos, entretanto, ajudá-las a rejeitar o especismo se nossa mensagem for a de que não devemos comer vitela vinda de bezerros criados em baias apertadas, mas devemos, em vez disso, comer vitela vinda de bezerros “criados soltos”. Nós não vamos ajudar as pessoas a enxergarem que o sexismo é errado, se as incentivarmos a assistir apenas àqueles filmes pornográficos cujos atores recebem certos benefícios empregatícios. A mesma análise se aplica ao contexto animal. Nós certamente não vamos conseguir nada com um movimento que diz que temos de tratar os animais “humanitariamente” e que podemos ser “onívoros conscienciosos”. O que não é realista é o bem-estar animal, e não a posição abolicionista. A posição do bem-estar animal irá apenas facilitar a continuação da exploração dos animais não-humanos. Acho extremamente preocupante que a maioria das grandes organizações de defesa animal ou não promovem o veganismo em absoluto, ou tratam-no como algo possível apenas para meia dúzia de heróis. O veganismo deveria ser apresentado como a posição normal, ou “automática”, do movimento.
Em suma, não seremos capazes de mudar as atitudes especistas se as reforçarmos, e isto é precisamente o que o bem-estar animal faz. Toda afirmação de que é aceitável continuarmos a explorar não-humanos — por mais “humanitariamente” que o façamos — não constitui progresso.
Por que você diz que o uso que a PETA faz do apelo sexual em suas campanhas é destrutivo?
Enquanto continuarmos a tratar as mulheres como mercadorias — e sexismo é isto — continuaremos a tratar animais não-humanos como mercadorias. Há uma relação muito profunda entre especismo e sexismo. Precisamos enxergar que o problema é a transformação de pessoas em mercadorias. Precisamos rejeitar isso em todos os contextos. O especismo é moralmente inaceitável porque, assim como o sexismo, o racismo e a homofobia, trata uma característica irrelevante (sexo, raça, orientação sexual) como uma barreira contra a total participação na comunidade moral.
Devo acrescentar que penso que, em termos práticos, as campanhas sexistas da PETA não fizeram nada mais do que banalizar a questão da exploração animal. E essas campanhas não tiveram sucesso, embora o sucesso não as tornaria moralmente corretas. Veja a campanha contra as peles, que era o principal foco da PETA. A indústria da pele nunca esteve tão forte quanto agora.

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