sexta-feira, 27 de junho de 2008

Gary Francione: Por que o Veganismo é Sua Base Moral - PARTE I

Em pauta:
Postarei em dois momentos distintos partes da entrevista concedida a Revista The Vegan pelo Professor Gary Francione.
Qual a diferença que você vê entre bem-estar animal e direitos animais?

O bem-estar animal afirma que é moralmente aceitável usar os animais não-humanos para propósitos humanos, contanto que tratemos os animais “humanitariamente” e não os sujeitemos a um sofrimento “desnecessário”. O objetivo do bem-estar animal é a regulamentação do uso dos animais.
A posição dos direitos animais é a de que não temos nenhuma justificativa moral para explorar os não-humanos, por mais “humanitariamente” que o façamos. O objetivo dos direitos animais é a abolição do uso dos animais.
Existem alguns defensores dos animais — aos quais eu chamo de “neobem-estaristas” em meu livro Rain Without Thunder: The Ideology of the Animal Rights Movement — que dizem abraçar a abolição como objetivo a longo prazo, mas que argumentam que regulamentações bem-estaristas a curto prazo são a única coisa que podemos fazer, em termos práticos, para ajudar os animais agora. Além do mais, os neobem-estaristas alegam que regulamentações melhores levarão, eventualmente, à abolição.
Eu considero ambos os preceitos da posição neobem-estarista errados.
O que você chama de posição “neobem-estarista” caracteriza a posição de muitas organizações de defesa animal. Por que você a considera errada?

Sem levar em conta que um movimento abolicionista deve empregar meios abolicionistas para atingir seu objetivo, não existe nenhuma evidência histórica de que as regulamentações bem-estaristas levem à abolição. Ao contrário, o bem-estar animal tende a fazer o público sentir-se melhor quanto à exploração animal. De qualquer maneira, já temos a regulamentação do bem-estar animal há 200 anos e ela não resultou na abolição de qualquer exploração institucionalizada. Estamos explorando mais não-humanos hoje do que jamais exploramos.
Quanto à questão da orientação normativa, a teoria dos direitos prescreve uma mudança incremental imediata na forma do veganismo. O veganismo é aquilo que cada um de nós pode fazer já. O veganismo não é uma mera questão de dieta; é um compromisso moral e político com a abolição da exploração animal no nível individual. Já encontrei muitos defensores dos animais que afirmam ser adeptos dos direitos animais e da abolição, mas que continuam a comer produtos de origem animal – e muitas das grandes organizações de defesa animal minimizam a importância do veganismo. Em minha opinião, isso não é diferente de alguém que afirma ser a favor da abolição da escravidão mas continua a possuir escravos.
Não há nenhuma diferença significativa entre carne e laticínio (ou outros produtos de origem animal). Os animais explorados na indústria de laticínios têm a vida mais longa do que os que são usados por sua carne, mas são mais maltratados durante aquela vida e terminam no mesmo matadouro, depois do quê consumimos sua carne do mesmo jeito. Há provavelmente mais sofrimento num copo de leite, ou num sorvete, do que num bife.
No nível social e político, deveríamos estar pondo os recursos do movimento em campanhas criativas para encorajar o veganismo, e não em campanhas para mais exploração “humanitária”. As campanhas pelo veganismo têm um impacto mais direto na redução da exploração animal, através da diminuição da demanda, e representam passos incrementais significativos rumo à abolição.
Por favor, explique com mais detalhes por que você diz que é equivocado elogiar grupos que fazem campanhas a favor de melhores padrões de bem-estar para os animais criados em fazendas.

Eu rejeito essas campanhas bem-estaristas por várias razões.
Primeiro, não acho que a maioria dessas campanhas resultou, ou resultará, em proteção significativamente maior aos interesses dos animais. Conforme expliquei em meu livro Animals, Property, and the Law, os animais são propriedade. Eles são mercadorias.
Até onde respeitamos os interesses dos animais, isto tem um custo econômico. O resultado é que os padrões do bem-estar animal raramente vão além da proteção necessária à exploração dos não-humanos de um modo economicamente eficaz, dados determinados usos.
Segundo, até onde essas campanhas trazem quaisquer benefícios para os animais, esses benefícios com certeza acabam pesando menos do que o fato de os exploradores poderem exibir os elogios dos defensores dos animais a seu tratamento supostamente “humanitário” dos não-humanos. Por exemplo, depois que o McDonald’s concordou em exigir que seus fornecedores seguissem certas diretrizes para o abate, concebidas pela consultora da indústria da carne Temple Grandin, a PETA deu um prêmio a Grandin e, junto com Peter Singer e outros pretensos defensores dos animais, elogiou publicamente o McDonald’s por liderar a melhora do tratamento dos não-humanos. Singer, PETA, Tom Regan e outros elogiaram a Whole Foods, Inc. e seu executivo-chefe, John Mackey, pelos seus padrões de “Compaixão Animal”, os quais supostamente exigem o tratamento “humanitário” dos animais que são vendidos como cadáveres nos estabelecimentos da Whole Foods.
Esses tipos de ação reforçam no público a noção de que podemos explorar os animais de um modo moralmente aceitável se apenas melhorarmos o tratamento dado a eles. De fato, Singer afirma explicitamente que não precisamos ser veganos, ou mesmo vegetarianos; podemos ser “onívoros conscienciosos” se tomarmos o cuidado de comer carne e laticínios produzidos de uma maneira “humanitária”. Mas se você disser às pessoas que elas podem ser “onívoras moralmente conscienciosas”, pode ter certeza de que elas não vão sentir necessidade de se tornar veganas. Isso é contraproducente em termos práticos.
Terceiro, considero seriamente problemática, em termos de ideologia do movimento, a posição de que a exploração mais “humanitária” é uma resposta moralmente aceitável à exploração animal. Claro que é “melhor” causar menos dano do que mais dano, uma vez que você tiver decidido causar dano. Por exemplo, é “melhor” que um estuprador não dê uma surra em sua vítima além de estuprá-la. Mas diríamos que podemos ser “estupradores conscienciosos” se evitarmos surrar as vítimas de estupro? Claro que não.
De forma análoga, se formos infligir dano aos animais, é “melhor” infligirmos menos dano, e não mais dano. Então, em certo sentido, eu suponho que seja melhor comer um animal que foi torturado menos, ser formos comer animais. Mas será que isso quer dizer que estamos agindo moralmente ao comermos animais criados em circunstâncias supostamente mais “humanitárias”? Não no meu modo de ver.

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